Começo de ano
Em fim de ano é impossível resistir às tentações à mesa.
De um lado, a ânsia de nos reunirmos com familiares e amigos como se
nunca mais os fôssemos ver; de outro, a farra das bebidas e comidas e a
indulgência que arrebata nosso espírito nessa época do ano.
Quando a festa acaba e é preciso afrouxar o cinto da calça, bate o
arrependimento e nos enchemos de intenções frugais. Infelizmente, é
respeitável a chance de que os quilos adquiridos fiquem incorporados em
nossa silhueta.
Além da vida sedentária, conspiram contra a perda de peso:
1) Toda vez que os depósitos de gordura diminuem, o cérebro entende que a
vida está sob ameaça e ajusta o metabolismo para repor a gordura
perdida.
2) A armadilha dos alimentos "fat free".
Nos anos 1970, ganharam força os estudos sobre a relação entre dietas
ricas em gorduras saturadas, colesterol e doenças cardiovasculares.
As orientações dietéticas foram resumidas na famosa pirâmide alimentar,
em cuja base ficavam os carboidratos –que poderiam ser consumidos à
vontade– e, bem no topo, as carnes e as gorduras, em relação às quais a
recomendação era de parcimônia monástica.
A indústria respondeu recheando as prateleiras dos supermercados com
produtos "livres de gordura". Para compensar o gosto insípido,
acrescentaram açúcar em tudo.
A substituição de gordura por açúcar armou o cenário para a epidemia de
obesidade. Mais de 70% dos norte-americanos estão acima do peso ou são
obesos. Caem nessa faixa 52% dos brasileiros. No México, a prevalência
já ultrapassa a dos americanos.
Na esteira da obesidade, vieram as epidemias de diabetes tipo 2,
hipertensão arterial, câncer, doenças cardiovasculares problemas
ortopédicos e outras enfermidades que encurtam a vida e sobrecarregam os
serviços de saúde.
Os conhecimentos adquiridos nos últimos 20 anos permitem abandonar a
ideia simplificada de que gorduras fazem mal e carboidratos fazem bem.
Embora altamente calóricas (1 grama equivale a 8 kcal), há gorduras
benéficas: óleo de oliva e outros óleos vegetais, os óleos contidos em
nozes, amêndoas, castanha da caju e amendoim, por exemplo, não aumentam o
colesterol e protegem o coração. As restrições recaem sobre a gordura
animal, assim mesmo quando ingerida em excesso.
Em relação aos carboidratos, o problema é mais intricado. Açúcares são
carboidratos simples digeridos rapidamente, enquanto os farináceos são
carboidratos complexos que sofrem digestão mais lenta. A exceção fica
por conta dos carboidratos refinados: arroz branco, farinha de trigo,
pão branco, biscoitos, alimentos dos quais foram retiradas as fibras e
que são digeridos como se fossem açúcares.
Os chineses sempre comeram muito arroz, mas eram magros porque andavam a pé. Hoje, a obesidade virou agravo de saúde pública.
Sejam simples ou complexos, o produto final da digestão dos carboidratos
é a molécula de glicose, que vai servir de combustível às células.
A forma de identificarmos os carboidratos mais saudáveis é por meio do
índice glicêmico, calculado pela capacidade de um alimento ser
transformado em glicose, em comparação com a da glicose pura (índice
100) ou do pão branco (71).
Apresentam níveis glicêmicos altos: batata, arroz branco, biscoitos,
sucos, a maioria dos doces e dos alimentos industrializados. Índices
mais baixos são encontrados na maçã, cenoura, feijão, leite desnatado,
macarrão, lentilha, amendoim, castanha do Pará e outros.
Ao lado dos índices glicêmicos que medem a velocidade de formação da
glicose, há que se considerar a carga glicêmica, que avalia a quantidade
de glicose formada a partir de cada porção. Por exemplo, o melão tem
índice glicêmico alto, mas carga glicêmica baixa porque boa parte da
fruta é água.
Para quem pretende perder peso, o pior dos mundos é passar os dias
sentado e adotar dietas com índices glicêmicos e cargas glicêmicas
elevadas, porque para metabolizar a glicose formada o pâncreas precisa
produzir insulina. Quantidades maiores de açúcar forçam a liberação de
doses excessivas de insulina, que podem causar hipoglicemia e retorno
rápido da fome.
Ao contrário, refeições com cargas glicêmicas baixas e gorduras saudáveis retardam o aparecimento dela.
Autor: drauzio varella
Médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital
do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do
trabalho em prisões. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
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