Teste de longevidade
Em 2003, o National Institute on Aging (NIA), dos Estados Unidos,
inaugurou um programa de experimentos em animais com o objetivo de
avaliar a possibilidade de retardar o envelhecimento.
Entre os tratamentos que não demonstraram eficácia, ficaram o óleo de
peixe, os extratos do chá verde e da curcumina e o resveratrol, presente
no vinho tinto.
Nos camundongos, cinco compostos mostraram efeitos positivos: ácido
acetilsalicílico, 17-alfa estradiol (forma de estrogênio) acarbose
(usada contra o diabetes), ácido nordihidroguaiarético (retirado de uma
planta) e rapamicina (usada como imunodepressora nos transplantes de
órgãos).
A maior atividade foi encontrada na rapamicina, que não apenas aumentou a
duração da vida dos animais, como o tempo que levaram para desenvolver
complicações de saúde.
O grupo de Nir Barzilai, que conduz um inquérito com mulheres e homens
centenários no Albert Einstein College of Medicine, em Nova York,
escolheu avaliar a atividade da metformina.
A droga não estava entre aquelas com resultados mais contundentes em
animais, mas tem histórico promissor na experiência clínica, custo baixo
e efeitos colaterais bem conhecidos, já que é empregada no controle do
diabetes desde os anos 1960.
A intenção é testá-la em 3.000 pessoas entre 65 e 79 anos de idade, que
serão acompanhadas durante cinco anos. A metade delas receberá
metformina, enquanto a outra tomará comprimidos idênticos, porém inertes
(placebo).
As dificuldades com esse tipo de avaliação são enormes. A maior delas
consiste em encontrar marcadores confiáveis para estimar a longevidade,
sem aguardar décadas até a morte de participantes em números
estatisticamente significativos.
Barzilai e seus colegas propuseram uma estratégia nova ao FDA, a agência
americana que fiscaliza medicamentos e alimentos: verificar se a
administração continuada de metformina é capaz de retardar o
aparecimento de enfermidades, cujas incidências aumentam dramaticamente
com a passagem dos anos e encurtam a duração da vida, como é o caso de
hipertensão, diabetes, doença cardiovascular, câncer, Alzheimer e
outras.
Há indícios de que a metformina seja dotada dessa capacidade protetora.
Em 1998, um relato do United Kingdom Prospective Diabetes Study Group
concluiu que, além de reduzir em 32% a incidência das complicações do
diabetes (incluindo morte), ela diminuiu as chances de ataques cardíacos
e derrames cerebrais.
Em outro estudo, conduzido pelo Diabetes Prevention Program, ocorreram
efeitos similares: queda de 31% na probabilidade de diabetes em pessoas
de meia-idade, em situação de risco para desenvolver a doença.
Diversos inquéritos epidemiológicos sugerem que a administração
continuada de metformina faz cair o risco de câncer e de morte e
preserva as funções cognitivas por mais tempo. Pesquisadores britânicos
relataram, em 2014, que a análise retrospectiva de 78 mil adultos na
faixa dos 60 anos de idade revelou que aqueles tratados com a droga
viveram em média mais tempo do que uma população comparável de pessoas
saudáveis.
Esses trabalhos, todavia, não constituem prova definitiva de que a
metformina consiga adiar o aparecimento de enfermidades em que o
principal fator de risco é o número de anos vividos. Nenhum deles
identificou os mecanismos pelos quais o medicamento teria essa
propriedade, embora saibamos que, além de controlar as taxas de açúcar
no sangue, ele interfere com diversas reações moleculares envolvidas no
crescimento celular, nas inflamações e no metabolismo.
Jay Olshansky, da Universidade de Illinois, estima que, se houver
retardo no envelhecimento, ainda que modesto, a expectativa de vida dos
participantes poderá aumentar em média 2,2 anos.
O mérito desse estudo é propor, pela primeira vez, a avaliação do
impacto de um medicamento na longevidade, por meio da prevenção ou do
retardo na instalação de doenças em que a idade é o principal fator de
risco.
Um dia nascemos, noutro morremos, no intervalo ficamos mais velhos a cada dia vivido. Envelhecer não é sinônimo de adoecer.
Autor:
Médico cancerologista, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital
do Câncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do
trabalho em prisões. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
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